“Portanto, como povo escolhido de Deus, santo e amado, revistam-se de profunda compaixão, bondade, humildade, mansidão e paciência” (Colossenses 3.12).
Uma das mais belas lições que podem ser extraídas da celebração do Natal é a humildade de Deus. Sim, Deus é humilde e deu-nos o mais sublime exemplo na encarnação do seu amado filho, atentemos para o que diz o grande Agostinho de Hipona a respeito: “Jesus menino, o Verbo-infante, é doutor de humildade. Aprende, pois, ó homem, e vê em quê Deus se tornou por ti: aprende este ensinamento de tão grande humildade, mesmo que o Mestre não seja ainda capaz de falar! Tu, outrora no paraíso, dominavas a fala a ponto de impor nome a todos os viventes; e eis que teu Criador, por ti, é incapaz sequer de dizer ainda: "mamãe". Tu, que te perdeste no amplíssimo jardim de frutos do Paraíso, tropeçando na desobediência; aí O tens, por obediência, como mortal no estreitíssimo estábulo, para resgatar, morrendo, ao que estava morto. Tu, homem, quiseste ser Deus e te perdeste;
Ele, Deus, quis fazer-se homem para recuperar o que tinha se perdido. Tanto te oprimia a soberba humana que só a humildade divina podia te levantar. Ele (Jesus menino), que contém o mundo, está reclinado num presépio. Ele, o Verbo, infante. Ele, que os céus não abarcam; uma só mulher portou em seu seio, reinando ela sobre nosso Rei. Nela, Aquele em quem existimos; ela dava o leite ao que é pão para nós. Ó manifesta fraqueza e admirável humildade, que escondeu toda a divindade!”(Sermão de Santo Agostinho 188,3 - 184, 3).
É uma bela maneira poética de traduzir o Natal, a condescendência de Deus em ‘deixar’ as alturas para nos encontrar em nossa mais profunda baixeza, que é o pecado da soberba, raiz e cabeça de todos os demais. A soberba reclama autonomia moral, independência em face dos limites éticos gerando a lei do mais forte, do mais rico, do mais famoso, do mais influente e do mais vitorioso como sentido da vida. A soberba produz toda a violência que conhecemos e experimentamos nesse mundo. Os homicídios, a vingança, os roubos e a exploração sexual de toda sorte, outra coisa não são do que a soberba do coração nos fazendo pretender ser senhores e deuses, decidindo quem morre e porquê, decidindo o que o outro pode possuir e por quanto tempo e comprando o prazer ou o assumindo ás custas das dores, dos traumas e das vulnerabilidades alheias. A corrupção presente na sociedade, bem como aqueles ‘benefícios’ legais exorbitantes, legais (porque previstos em lei), mas imorais e ofensivos, só existem porque a soberba leva alguns homens a crerem que são mais importantes ou mais especiais que os demais. O nosso mundo desde a queda de Adão vive um déficit de humildade. Todo atrevimento que solapa a justiça, que distorce o direito, que usurpa a dignidade e que oprime o pobre, tem a sua origem no coração soberbo. O Natal que ser um tempo de cura, pois toda soberba é confrontada e derrubada por terra no exemplo de Jesus, pois como diz Paulo: “Porque dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para sempre! Amém” (Rm 11.36) e ainda o Evangelista: “Todas as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe teria sido feito” (Jo 1.3). Jesus, o Senhor absoluto de todas as coisas veio ao nosso encontro revestido de nossa mortalidade e fraqueza, quis compartilhar de nossas limitações e pobreza, sujeitou-se aos sofrimentos dessa vida, enfrentou oposições, perseguições, humilhações, desprezos, a falsidade e a hipocrisia, lidou com a morte de amigos e parentes, sentiu fome, sede, abandono e tudo isso, para demover dos corações a soberba que impedia o homem de experimentar a felicidade que só pode ser encontrada na justa e adequada relação com o Pai. A soberba de Adão expulsou a humanidade do paraíso e rompeu os laços de amizade entre Deus e o homem. A humildade de Jesus que foi vivida até a suprema humilhação da cruz, abriu os portões da eternidade para a humanidade e reintroduziu o homem na amizade com Deus.
Assim, podemos concluir que o chamado a vida cristã, a ser discípulo de Jesus Cristo, é um chamado a uma vida de humildade que implica uma luta constante contra as paixões desordenadas do nosso coração e contra os nossos instintos egoístas. É um convite gracioso para usar a nossa vida, os nossos dons, os nossos bens não como fins em si mesmos, mas como serviço, demonstração de amor, socorro do necessitado, amparo do fraco e luta pela justiça. Sem compreender essa preciosa lição da humildade, o Natal não faz sentido e comemorá-lo não passaria de grosseira idolatria. Que o Natal de Jesus devolva ao mundo a humildade como um valor que torna a nossa vida mais humana, como a dele que sendo Deus fez-se verdadeiro homem.
(fonte: Servo de Cristo: Natal, festa da humildade.