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Interioridade: Paralelo entre Santo Agostinho e Santa Teresa de Jesus

 

Uma autêntica interioridade vai além daquilo que podemos exprimir com as palavras. Santo Agostinho nos mostra que é preciso entrar no íntimo do mais íntimo que existe em nós para assim encontrarmos Deus. Isso vai além dos sentidos, e o amor de Deus supera toda a beleza dos sentidos, é superior a todas as doçuras que experimentamos.

 

Santo Agostinho queria saber quem era Deus, O buscava nas coisas, e todas elas respondiam “Eu não sou Deus”, até que buscou a beleza de Deus nas criaturas. “O Amado passou por nós e nos deixou a sua beleza.”[1]  Então Santo Agostinho começa a procurar Deus dentro de si, pois é no interior que acontece o verdadeiro encontro com Deus.

 

O silêncio interior é adentrar o mais íntimo para encontrar Deus e isso se dá pela oração de recolhimento. “A oração é um dos meios mais eficazes para realizar aqui na terra nossa união com Deus e nossa imitação de Jesus Cristo. O contato frequente da alma com Deus na fé, pela oração e a vida de oração, ajuda poderosamente na transformação de nossa alma do ponto de vista sobrenatural. A oração bem feita, a vida de oração, é transformante.”[2] Se ao rezar , minha oração não gera em mim uma transformação, tem algo errado.

 

Para nos ajudar neste caminho de vida interior e de intimidade com Deus, Santo Agostinho e Santa Teresa de Jesus, que também inspiraram nossa Madre Fundadora, a Venerável Teresa Spinelli, indicam-nos um caminho a ser trilhado de dentro para fora. Fazendo um paralelo com o livro X das Confissões de Santo Agostinho e o livro Castelo interior ou moradas de Santa Teresa de Jesus, vemos esta busca de Deus no interior da alma.

 

“Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro de mim, e eu lá fora, a te procurar! Eu, disforme, me atirava à beleza das formas que criaste. Estavas comigo, e eu não estava em ti. Retinham-me longe de ti aquilo que nem existiria se não existisse em ti. Tu me chamaste, gritaste por mim, e venceste minha surdez. Brilhaste, e teu esplendor afugentou minha cegueira. Exalaste teu perfume, respirei-o, e suspiro por ti. Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e o desejo de tua paz me inflama.”[3]( Santo Agostinho)

 

 

“Parece-me que nunca o dei a entender tão bem como agora. O certo é que para buscar a Deus no íntimo da alma, onde melhor o encontramos e com mais proveito que nas criaturas - a exemplo de Santo Agostinho, que o achou em si depois de tê-lo procurado em muitas partes, - grande ajuda é o receber do Senhor esta mercê. E não julgueis alcançá-la por meio do entendimento ou da imaginação, esforçando-vos por pensar que Deus está dentro de vós, ou figurando-o presente em vosso interior. Bom e excelente é este modo de meditar, porque se funda sobre esta grande verdade: que Deus está dentro de nós mesmos; mas cada um pode fazer assim, com o favor de Deus, bem entendido. Não se trata só disto: o que digo é de outro gênero. Algumas vezes, antes mesmo de se começar a pensar em Deus, eis toda a gente no castelo. Por onde, ou como ouviram o silvo do pastor? Não sei. Pelos ouvidos não foi, que nada se ouve. Mas sente a alma, sem haver dúvida possível, um recolhimento suave que a chama ao interior, como verá quem o experimenta. Melhor não o sei explicar. Tenho ideia de haver lido que é semelhante ao que fazem o ouriço ou a tartaruga quando se retiram dentro de si. Devia entendê-lo bem, quem isto escreveu. Todavia há esta diferença: eles se retraem quando lhes apraz, e aqui não depende de nosso querer; é só quando se digna Deus outorgar esta mercê. Tenho para mim que quando Sua Majestade a concede a certas pessoas, é que já vão dando de mão às vaidades do mundo, senão por obra - pois alguns em razão de seu estado não podem, - ao menos pelo desejo. Deste modo às convida particularmente, para que estejam atentas ao seu interior. E assim creio que, se houver correspondência, não se limitará Sua Majestade a dar só isto a esses que já começa a chamar a coisas mais altas” [4]( Santa Teresa de Jesus).

 

 

“Então, o que é Deus? Perguntei à terra, e ela me disse: “Eu não sou Deus”. E tudo o que nela existe me respondeu o mesmo. Perguntei ao mar, aos abismos e aos répteis viventes, e eles me responderam: “Não somos teu Deus; busca-o acima de nós”. Perguntei aos ventos que sopram; e todo o ar, com seus habitantes, me disse: “Anaxímenes está enganado eu não sou Deus”. Perguntei ao céu, ao sol, à luz e às estrelas. “Tampouco somos o Deus a quem procuras” – me responderam. Disse então à todas as coisas que meu corpo percebe: “Dizei-me algo de meu Deus, já que não sois Deus; dizei-me alguma coisa dele” – e todas exclamaram em coro: “Ele nos criou” – Minha pergunta era meu olhar, e sua resposta a sua beleza. Dirigi-me, então, a mim mesmo, e perguntei: “E tu, quem és?” – e respondi: “Um homem”. Para me servirem, tenho um corpo e uma alma: aquele exterior, esta interior. Por qual deles deverei perguntar pelo meu Deus, a quem já havia procurado com o corpo desde a terra até o céu, até onde pude enviar os raios de meu olhar como mensageiros? Melhor, sem dúvida, é a parte interior de mim mesmo. É a ela que dirigem suas respostas todos os mensageiros de meu corpo, como a um presidente ou juiz, respostas do céu, da terra, e de tudo o que existe, e que proclamam: “Não somos Deus” – e ainda – “Ele nos criou”. O homem interior conhece essas coisas por meio do homem exterior; mas o homem interior, que é a alma, também conhece essas coisas por meio dos sentidos do corpo. Interroguei a imensidão do universo acerca de meu Deus, e ele me respondeu: “Não sou eu, mas foi ele quem me criou”. Mas essa beleza não se manifesta a quantos têm sentidos perfeitos? E por que não fala a todos a mesma linguagem? Os animais, pequenos ou grandes, a vêem; mas não podem interrogá-la, porque não receberam a razão que, como juiz, interprete as mensagens dos sentidos. Os homens, porém, podem interrogá-la, para que as perfeições invisíveis de Deus se manifestem pelas suas obras. Mas o amor às coisas criadas os escraviza, e assim os torna incapazes de julga-las. Ora, elas só respondem aos que podem julgar-lhes as respostas. Elas não mudam sua linguagem, isto é, sua beleza, quando um só as vê, e outro as interroga; elas não lhes aparecem diferentes mas, para uns ficam mudas, enquanto falam a outros. Ou melhor: eles falam a todos, mas apenas se entendem os que comparam sua expressão exterior com a verdade interior. De fato a verdade me diz: “Teu Deus não é nem o céu, nem a terra, nem corpo algum. A natureza das coisas o diz para quem sabe ver; a matéria é menor em seus elementos que em seu todo. Por isso, minha alma, digo-te que és superior ao corpo, pois vivificas sua matéria, dando-lhe vida, como nenhum corpo pode dar a outro corpo. Mas, teu Deus é também para ti a vida de tua vida” [5] (Santo Agostinho).

 

“Verdade é que a alma introduzida pelo Senhor na sétima morada, poucas vezes ou quase nunca tem de recorrer a essas diligências, e isto pela razão que nela direi, se me lembrar: mas não deixa de andar muito continuamente com Cristo Nosso Senhor, de um modo admirável pelo qual, tanto em sua Divindade como em sua Humanidade, Ele está sempre a fazer-lhe companhia. Assim, pois, quando não está aceso na vontade o fogo de que falei, e a presença de Deus não se faz sentir, preciso é que o procuremos, pois assim quer Sua Majestade. É o que fazia a Esposa dos Cantares. Perguntemos às criaturas quem as fez, como diz Santo Agostinho em suas Meditações ou Confissões, creio eu ; e não fiquemos como bobos, perdendo tempo, a esperar que venha de novo o que alguma vez temos recebido. Com efeito, aos princípios poderá ser que não repita o Senhor a mesma graça durante um ano, e até muitos. Sua Majestade sabe por que assim o faz; quanto a nós, não o queiramos saber, nem há necessidade disto. Pois sabemos o caminho para contentar a Deus, que é o dos mandamentos e dos conselhos, procuremos andar por ele muito diligentes, pensando na vida e morte de Cristo, e no muito que fez por nós. Tudo o mais venha quando o Senhor quiser”[6]( Santa Teresa de Jesus).

              

A oração de recolhimento, segunda Santa Teresa é o inicio da oração mística.  Que Deus nos conceda a graça de avançarmos ao seu encontro, e que Santo Agostinho, Santa Teresa de Jesus  e Nossa Madre Fundadora, Venerável Teresa Spinelli intercedam por nós!

 

 
Irmã Maria Juliana da Silva Rodrigues, asjm

 

Referencias:

1-Cântico Espiritual- São João da Cruz

2- Em Jesucristo, vida del alma II,10- Dom Columba Marmión

3-Confissões Livro X, Cap. 27- Santo Agostinho

4- Castelo interior ou Moradas- Santa Teresa de Jesus- Cap. 3,3/

5- Confissões Livro X Cap. 6,9-10 - Santo Agostinho

6- Castelo interior ou Moradas- Santa Teresa de Jesus Cap.7,9

"O Senhor sempre dá oportunidade para oração quando a queremos ter."

Santa Teresa de Jesus